
A violência — que nasce escondida como um trovão,
que é antiquadamente prematura,
que bafeja pelas clareiras das matas,
pelo melado burocrático das cidades,
nos corações que param ou que, de repente, palpitam,
nos caminhos dos espíritos e dos instintos;
a violência, havida muito antes,
estrutura da vida,
energia placêntica, expiração líquida,
metida nas entranhas das coisas mortas e vivas
— fez mais uma vítima.
Morre o corpo,
barriga voltada ao céu, olhando perdida
para um branco cego, tatuado de preto, vermelho e mel.
A morte já lhe fermenta os ouvidos sensíveis.
De súbito, a mudez é o que lhe vive,
a solidão de sua vida,
música escrita e nunca interpretada,
trilha obscura, história insondada, carne ígnea,
como um caminhar sobre um chão d’água.
Seu resto de existência agora incomoda,
soca as pernas ao alto, sovando os fluídos do tórax.
Sofre o assassínio, o recuo da língua
num jorro de linfa morna e agonia.
Esse resto de corpo lívido, resto de exílio,
que sobre si existe como um peso frígido,
propaga-se em dores pelo dorso,
cegando seu coração aos poucos.
Ao mundo, lega uma morada simples,
os rastros de uma descendência
que sob outros passos serão apagados.
Deixa uma história que, pelo menos, algum deus viu,
sobrevivente aos vizinhos da cidade,
vencendo os sonhos violentos que afloram
e os atos de violência refreados.
Lhe dói não a saudade, nem a lembrança,
mas o suposto para-nada que fica enquanto tudo vai,
que é como subir nas próprias costas e se montar a cavalo,
uma comida que você não come,
mas a genitora coloca no seu prato,
história que é só uma pegada secretada,
escama de espírito que vai para a fornalha.
Assim, morre sozinha,
entre glóbulos de manteiga e vapores de benzinas,
a barata na cozinha.