Oi, é o Paulo. Estou falando aqui, Rosa, que é pra você saber que o amor corroeu o meus pulmões tipo uma fumaça de gelo, solveu meu coração feito uma piscina de tíner, cicatrizou as saídas dos meus problemas feito um cadeado químico, arrancou-me a luz tal qual um coveiro. O amor, prezada Rosa, pôs no meu peito uma vela apagada e o meu peito dentro de uma igreja trancada. E agora, aquele resto de alma que não foi usado, aquela memória que não grudou no corpo, aquele pedacinho murcho de espírito, aquela sobra da alegria que uma vez crescia aos montes, jogo fora onde? Hoje, Rosa, não se vê mais o amor que envernizava a nossa casa, que se enxeria no adubo das plantas, pelo caminho que percorriam os azulejos, que pingava das goteiras do telhado, que caía no óleo da frigideira e escorria pela pia atado à gordura dos garfos. Não, hoje em dia o amor já nos deixa exaustos feito um escorregador para cima, um buraco ao contrário em que nos suspendemos esticados. Feito gente que se abraça e se mata, que se beija chorando e se adora dormindo. A fazer novos inimigos, a perder os amigos antigos. O amor, que antes com a gente brincava, hoje nos castiga, sério. Olha: o figurinista acha graça das malhas em que nos enfiamos. E este amor é um fim que se repete, qual um salário, ou promessa-de-começo-de-ano. Pois eu lhe digo, Rosa, esse amor já não vale uma grama de ausência, um movimentozinho de parede, um centavo de vaia, um auditório vazio, uma esmola exagerada. Como é isso de ser o cabeça do próprio rapto? O amor cobriu apenas nossos olhos mas ficamos cegos até a alma. E agora erramos por esse chão líquido e somos os proprietários desse precipício. É por causa disso tudo, cara Rosa, que não vou pedir pensão alimentícia para mim nem para os nossos filhos. Esteja notificada.